“Vale a pena entrar na justiça contra a minha corretora?"

Essa foi a pergunta que um investidor me fez na semana passada. Ele chegou até mim por recomendação de um cliente que, ao saber do problema do amigo, o orientou a falar comigo.

Em resumo, seu assessor (agora ex-assessor) recomendou que ele fizesse um empréstimo com a própria corretora e usasse esse dinheiro para realizar um investimento.

Isso faria sentido porque, além de ser seguro, esse investimento teria rentabilidade mais que suficiente para pagar os juros do empréstimo e ainda gerar lucro.

O que "faria sentido”, contudo, não fez.

O investimento não teve o retorno esperado e os juros do empréstimo foram corroendo o patrimônio do investidor. E, como se não bastasse, para sair da operação antes do vencimento ele teria um prejuízo adicional de R$12 mil.

Com a justificativa de que recebeu uma recomendação fora do seu perfil e sem ter sido informado sobre os riscos, ele queria entrar com uma ação judicial contra a corretora ou o assessor que recomendou a operação.

Não foi a primeira nem a segunda vez que um caso assim chegou até mim. É uma operação bastante recomendada no mundo das assessorias de investimento.

Se é bastante recomendada, deve ser boa, certo?

Para a corretora, com certeza. Independente do resultado da operação, ela ganha duas vezes: ganha com o investimento e ganha de novo com o empréstimo.

Para o investidor, nem sempre. Nesse caso não foi.

Esse não é um caso isolado

Infelizmente, casos como esse são frequentes no mercado financeiro.

O mais recente, amplamente divulgado na mídia e na internet, é do COE de Ambipar.

Investidores que acreditavam estar aplicando em um produto “com proteção” tiveram perdas superiores a 90%. Quem investiu R$100 mil no produto, acabou com menos de R$10 mil.

Outra vez, tive reunião com um rapaz que pegou um empréstimo em nome da mãe para investir em uma estratégia envolvendo ações e derivativos. Sua assessora garantiu um retorno de 5% ao mês. Ele pagaria 3% de juros do empréstimo e ficaria com o resto.

Um ótimo negócio no papel mas — como já sabemos — na prática a teoria é outra.

O prejuízo foi grande: dívida do empréstimo, performance negativa (bem longe dos 5% ao mês prometidos) e uma conta enorme em custos de corretagem, pois a estratégia exigia operações constantes na sua carteira.

Já a assessora ganhou comissão em cima de todas essas operações…

Se você ainda acredita que esses são casos isolados, uma rápida pesquisa em sites como o Reclame Aqui vão te provar o contrário. Histórias como essa acontecem todos os dias com todo tipo de investidor — dos iniciantes aos milionários.

Reclamações de investidores no Reclame Aqui ao pesquisar por “COE”.

Não procure o culpado, resolva a causa do problema

A causa desse tipo de problema é muito clara: o conflito de interesses do modelo de comissão adotado pelos escritórios de assessoria e grandes bancos.

Mirando interesses próprios e gordas comissões, profissionais mal intencionados empurram produtos duvidosos ao investidor, em desacordo com seu perfil e objetivos e sem explicar os riscos envolvidos.

Por isso falo tanto sobre o quão importante é para o investidor buscar ajuda de um profissional independente — que não é remunerado com comissões sobre a venda de produtos, mas sim pelo serviço prestado. Isso elimina totalmente esse tipo de conflito.

O resultado é um investidor tranquilo e seguro de que vai receber recomendações realmente alinhadas ao seu objetivo.

Voltando ao caso do cliente que me ligou querendo processar a corretora. Já descobrimos a causa do problema — o conflito de interesses — mas de quem é a culpa?

Do assessor, que se aproveitou da confiança e da falta de conhecimento do cliente para vender o produto e ganhar a comissão? Da corretora, que incentiva a venda desses produtos para aumentar sua receita? Ou do próprio cliente que, mesmo sem entender os riscos, autorizou a aplicação?

A resposta é: pouco importa de quem é a culpa.

A inútil busca por culpados

Quando algo não sai da forma como esperamos, procuramos culpados em tudo e em todos. É da natureza humana.

Se você chega atrasado em um compromisso a culpa é do trânsito. Se não consegue passar mais tempo com sua família, é do trabalho. Quando seu negócio não vai tão bem, é do governo ou do mercado.

Quando o resultado é positivo, por outro lado, queremos ficar com o crédito.

Se o investimento dá prejuízo, foi o gerente que te recomendou. Se o mesmo investimento dá lucro, a decisão de investir foi sua.

Ser o “culpado” apenas quando o resultado é positivo não vai te levar a lugar nenhum.

É compreensível se sentir enganado, acontece com todos nós. Mas o que vai resolver o problema e fazer com que o erro não se repita é parar de apontar o dedo para os outros e entender que a responsabilidade pelo que você faz, ou deixa de fazer, é sua.

Só você pode fazer diferente (e é responsável por isso)

Não se coloque na posição de vítima, mesmo quando tiver motivos para isso.

Como vítima, você se torna impotente diante da situação e vai agir como se não houvesse nada que pudesse fazer.

Na maioria das vezes, contudo, você não só pode como tem a responsabilidade de fazer algo.

Você não controla o trânsito, mas pode sair de casa alguns minutos antes. Seu trabalho ocupa boa parte dos seus dias, mas cabe a você priorizar passar um tempo maior com sua família.

O investidor que me ligou não tem culpa de que seu investimento tenha dado errado, mas a responsabilidade de entender os riscos envolvidos, era dele.

Para que não aconteça de novo, ele precisa mudar o foco.

Em vez de pensar “meu assessor me recomendou um produto ruim”, deve encarar como “eu não me atentei aos riscos desse produto”.

Não perca tempo procurando culpados. Analise a situação e verifique se você poderia ter feito algo para evitar o que aconteceu e como agir daqui pra frente.

Da próxima vez que seu gerente ou assessor te recomendar um produto, não invista sem antes estar confortável para tomar uma decisão.

Peça para ele te explicar como o investimento funciona e quais os riscos envolvidos. Como esse produto se integra ao seu planejamento. Se ele está de acordo com seu perfil e seus objetivos.

Questione também como ele vai ser remunerado. Nunca é de graça e a maioria dos problemas desse tipo começa por aqui.

A escolha é óbvia

Você não precisa se tornar um especialista em investimentos, mas é sua responsabilidade entender o mínimo necessário para tomar boas decisões e evitar entrar em roubadas — que não são poucas.

Assim como também é sua responsabilidade decidir quem você quer que te recomende investimentos:

  • Alguém que trabalha para o banco e é remunerado com comissões pela venda de produtos, ou;

  • Alguém que trabalha para você e é remunerado apenas pelo serviço prestado.

Se você está cansado de ser prejudicado pelo conflito de interesses e busca alguém alinhado com seus objetivos, a escolha óbvia é a segunda opção.

Procure imediatamente a ajuda de um consultor independente. Fazer isso é sua responsabilidade.

Gustavo Gubert, CFP®
Planejador Financeiro e Consultor de Investimentos

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